segunda-feira, 30 de novembro de 2015

POR FAVOR, PAPAI NOEL, NÃO DESISTA!

     Ainda não me refiz da tristeza profunda que tomou conta do meu coração com a notícia de que a crise chegou até o senhor, Papai Noel. 
     Num estalar de dedos, naquele momento voltei à primeira infância, e tive que conter o impulso de sentar na calçada, sozinha com minha dor, e deixar o pranto correr feito um rio caudaloso, numa torrente de desespero que só as crianças sentem de verdade, sem se preocupar com que possam os outros pensar.
     Não é justo, Papai Noel, que o senhor desista de nós. Não é justo que minha infância seja vilipendiada, maltratada, esbugalhada por questões econômicas que os adultos, pessoas reais que estão por aí a brincar de governar, tratam de forma leviana.
     Eu sempre acreditei no senhor, mesmo parecendo ridícula às vezes. Acredito e ponto final. Muitas e muitas vezes, quando os pais diziam que o senhor vinha montado num burrico, à noitinha do dia vinte e quatro, a gente ia buscar um pastinho fresquinho, bem escolhido, e deixava num lugar estratégico para que o burrinho o encontrasse e se reabastecesse. Até houve uma época da vida que eu não sabia bem quem ia comer o capim, se o burrinho ou o senhor. Veja só! Santa inocência! 
     Numa noite de |Natal, o Paulo, o senhor sabe , o meu irmão, quase nos matou de susto. Vinha correndo escada abaixo, com o chapeuzinho de palha na mão, pulando os degraus de dois em dois, e quase sem fôlego, dizendo, atropelando as palavras, que viu o senhor ora se esgueirando por entre os arbustos da beira da estrada, ora levantando poeira, fincando os pés na barriga da montaria, numa corrida desesperada para as crianças não o flagrarem colocando os presentinhos no prato esmaltado atrás da porta do quarto. Foi um rebuliço daqueles. Uns duvidavam, outros quase chorando foram verificar se o senhor já havia cumprido seu árduo trabalho. Todos tremendo feito vara verde, coração aos pulos, querendo e não querendo olhar, um medo danado de não ter ganho nada, não por maldade sua, mas pelo histórico anual de cada um, pautado pelo merecimento. Ou não. 
     Graças a Deus, lá estava o pratinho cheio: alguns peixinhos doces coloridos; para os meninos, piões de madeira ; para as meninas, lindos aventais de algodão com bordado de flores, também de uma beleza sem igual e que vinham confirmar o futuro dessas mulherzinhas. Dependendo do poder aquisitivo das famílias, coisa que não dá pra entender o que o Papai Noel tem a ver com isso, as meninas ganhavam um lavel, feito de madeira, que se levava ao arroio. Nele se lavava roupa, feito gente grande. Ai, que saudade do meu lavel, Papai Noel. Se quiser me dar um agora, aceito de coração. Claro que não vou lavar roupas nele, porque o arroio sumiu. No lugar dele, areia e pedregulho, sem vida, sem nada para contar a história. E roupa, hoje, é lavada em máquina automática, que dispensa quarador, sol, borrifo, enxágüe, e demais etapas do processo manual. Mas pode trazer assim mesmo, um lavel. Eu quero. Meninos ganhavam também trenzinhos de lata coloridos, cavalinhos de um material chamado celulóide. Meninas ganhavam bonecas de pano bem, bem iguaizinhas às que a avó fazia, inclusive a roupa era igual aos vestidos das mulheres da casa.      Tudo acaso explicado pelos adultos bem intencionados. Os sonhos deviam ser preservados e a magia do Natal precisava ficar por longo tempo no coração da meninada. Certo. A minha magia não encontrou a saída, permanece aqui, no lado esquerdo do peito, onde, antigamente, se colocava a mão direita para cantar o hino nacional. Tudo coisa do passado
     As noites do período do advento tinham uma coisa especial, um ar de mistério, um perfume que misturava o cheiro de jasmim, de bolachas saindo do forno, de capim, enfim, de véspera, se é que dá para entender. O ar da noite era morno, com algumas rajadinhas mais frescas lá pelas tantas, mas nada que nos impedisse de admirarmos os vaga -lumes que cortavam a noite, talvez escrevendo com sua luz azulada os recados ao Papai-Noel dos pequenos que ainda não sabiam acolherar as letras. Quem sabe era isso, né?
Perto de casa , uma lagoa era habitada por milhares de rãzinhas, cantadoras afinadas,que formavam um lindo coral.  A letra, isto é, a poesia, era sempre a mesma: as pequenas cantavam chorando –“manhê tô com frio”, e as mães, já sem paciência, respondiam: “como é que é? Como é que é? Vá dormir. Vá dormir”.      Enquanto isso,  os machos caíam na gargalhada: “quá, quá, quá...”
     É. Noites de verão, véspera de Natal. Tudo muito lindo, tudo muito inexplicável.Não precisa entender, basta acreditar e sentir.  Esperar e sonhar. Contar mil vezes os dias para o grande dia. E chega.
    A lagoa secou. Já não se ouve mais o recital das rãs. Tudo está mudado, não sei se pra melhor ou pra pior.  Bem, deixa pra lá.
   Vou repetir, Papai Noel, não desista de nós, especialmente de mim.Preciso acreditar em alguma coisa surreal, ideal, que fuja um pouco desta realidade que me mostra todo santo dia, gente, especialmente crianças, que ainda não tem o que comer, e se o senhor quer acreditar, não tem aquela gotinha d’água da misericórdia para não morrer.Eu faço minha parte.Juro.
     Esqueci de contar uma coisa : naquele pratinho dos presentes vinha também uma vara de marmelo. Mas não era nossa: era para nós. A gente entregava, envergonhada, para os pais como uma permissão tácita de uso. Ah, mas eu acho que aqui tem coisa! O senhor ama as crianças e não ia fazer uma cachorrada dessa. Isso é coisa de gente comum.  Mas eu tenho uma sugestão. Por que não reviver este costume e despejar toneladas de varas de marmelo para descer no lombo dessa gente que não conhece suas responsabilidades? Seria engraçado!  E não haveria marmeleiro que chegasse.
     Mas vou ficando por aqui, com a esperança de que o senhor saiba dar a volta nesta crise e possa nos proporcionar lindas e mágicas noites de Natal por todos os séculos dos séculos, Amém.
      Papai Noel, faça-me este favor: não desista, insista! Precisamos preservar nossos sonhos.

                                          BEIJOS, PAPAI NOEL!  ATÉ O NATAL!



segunda-feira, 28 de setembro de 2015





                                               FILOSOFIA DA RELIGIÃO


                        Ao iniciar o estudo FILOSOFIA DA RELIGIÃO, buscamos a definição etimológica da palavra “religião’. Este termo surge na história da humanidade através dos autores clássicos, como Cícero, Lactâncio e o próprio Agostinho, respectivamente, nas palavras “re-legere”, que significa reler, re-ligare, que significa religar e re-eligere, que significa reeleger. Todos estes conceitos dão a idéia de voltar a uma situação anterior, ou seja, ligar novamente a criatura ao Criador. É exatamente esta tentativa de re-ligar-se com o Ser Superior, através de um conjunto de crenças, normas, ritos ou costumes, que dá origem às diversas religiões e ao fenômeno religioso propriamente dito.
                        Sendo assim, a religião surge da necessidade do ser humano religar-se com o Divino, o Eterno.
                        Hilton Japiassú, em seu Dicionário básico de filosofia, define a religião com um conjunto cultural su7scetível de articular todo um sistema de crenças em Deus ou num sobrenatural e um código de gestos, de práticas e de celebrações rituais, admite uma dissociação entre a “ordem natural”  e a “ordem sacra” ou sobrenatural.  Acrescenta, ainda, que toda religião acredita possuir a verdade sobre as questões fundamentais do homem, mas apoiando-se sempre numa fé ou crença. Estabelece, ainda, a diferença entre religião e filosofia, pois esta pretende fundar suas verdades ou tudo o que diz, nas demonstrações racionais. A religião aceita as verdades como questão de fé, a filosofia pretende demonstrar racionalmente. 
                        O sagrado, de natureza divina, possui um elemento divino, e por este motivo, deve ser adorado e respeitado; é objeto de culto e veneração, inspira respeito e é digno de reverência.
                        Na busca de uma explicação para esta necessidade que o homem tem de religar-se ao Ser Supremo, encontramos uma afirmação de Cícero, Senador romano, e que confere à religião uma importância fundamental na vida da humanidade: ”Não há povo tão primitivo, tão bárbaro, que não admita a existência de deuses, ainda que se engane sobre a sua natureza.”
                        Fica claro, pois, que o fenômeno religioso faz parte da história da humanidade, desde os tempos mais remotos até a modernidade. É um fenômeno universal, individual, cultural e social.
                        A pluralidade religiosa é, em parte, resultado das diferentes formas de entender e perceber o mundo e o próprio Homem. Ou seja, é a visão de Homem e mundo dos povos e culturas que definirá suas crenças, costumes e religiosidade. Por isso, a história da humanidade se confunde com a história da religião dos povos. Fala-se em cultura religiosa porque se entende que as duas palavras estão diretamente relacionadas entre si.
                        Como já dissemos, a religião é parte do sistema de vida de um povo. Enquanto cultura envolve não só a crença, mas também as condutas.Entende-se por cultura o conjunto de modos de fazer, interagir e representar desenvolvimento pelos homens com uma solução ou resposta para as necessidades de sua vida em comum. E a religião é uma dessas formas. Entende-se, pois, a religião como um processo social de construção de concepções de Deus. A religião é, pois, algo intrínseco à vida de um povo.
                        Todas as religiões, por mais racionais e lógicas que se apresentem, se assentam na fé das pessoas apesar do objeto da fé ser diferente de religião para religião. Aqui é importante distinguir a fé do mito, que se apresenta como coisa descabida, fantasiosa e contrária à própria natureza racional do ser humano.
                       
                        As diferentes religiões podem ser classificadas como:
            Primitivas: primeira forma de expressão religiosa. São religiões onde o culto aos deuses é realizada de forma acrítica e pré-reflexiva. A forma de adoração é de alto teor mágico e mistério. Ex: animismo, magismo, umbanda.
            Sapienciais: religiões que se fundamentam na sabedoria, na busca pelo conhecimento. Destaca-se pela meditação, pela busca da sabedoria, a busca pelo sentido da vida e a contemplação. Buscam um ideal ético e uma sabedoria prática para a vida. Ex: hinduismo, budismo, confucionismo, taoísmo e xintoísmo.
            Proféticas ou reveladas: surgem a partir de uma profecia ou revelação. Partem do pressuposto de que o se4r superior revela sua mensagem a si próprio e ao povo, através dos profetas. Ex: judaísmo, cristianismo e islamismo.
            Espiritualistas: este grupo admite a influência de inúmeras forças espirituais, que agem tanto sobre as pessoas como também sobre a natureza. Ex: espiritismo e umbanda
            Místicas ou filosofias de vida: são religiões, seitas ou grupos que não seguem uma estrutura rígida. Buscam a fraternidade entre os homens, através de ensinamentos ético-morais.Ex: yoga, maçonaria, seicho-no-iê, teosofia.

                        FORMAS RELIGIOSAS
            São maneiras como as diferentes religiões se relacionam com o SAGRADO.
TEÍSMO: crê que Deus é o único ser supremo, infinito, absoluto, espiritual e pessoal. É criador e espírito vivificante. É Deus revelado. Age com e nas criaturas. Divide-se em:
            Monoteísmo: um só deus;
            Politeísmo: acredita em vários deuses;
            Henoteísmo: acredita e cultua um só deus, admitindo, no entanto, a existência de outros;
            Panteísmo; acredita que tudo é deus. O universo, a natureza e Deus são a mesma coisa.
            Panenteísmo: acredita que tudo está em Deus. O mundo é modo de existir de Deus.
            Monismo: acredita que existe uma só realidade, que é a do mundo material. O próprio mundo é absoluto e explica-se por si mesmo. O conjunto das coisas pode ser reduzido à unidade.
            Dualismo: acredita na coexistência de duas forças (princípios) superiores antagônicas, uma do bem e outra do mal, que regem e dirigem o universo.
            Deísmo: acredita na existência de um único ser supremo, espiritual e pessoal, destituído de atributos morais e intelectuais, que poderá ou não ter influído na criação do universo. Rejeita a revelação divina e a intervenção de Deus na vida das pessoas.
            Ateísmo: acredita que não há ser superior. Não crê em Deus.
            Animismo: acredita na vida espiritual por detrás dos objetos sensíveis. Considera todos os seres da natureza dotados de vida e capazes de agir conforme a finalidade. Os seres sensíveis possuem vida, alma, psique, ou espírito, capaz de entrar em relação direta, em certos casos e sob certas condições, com o Homem.
            Magismo: acredita na ciência, arte ou força oculta, impessoal, que excede às forças da natureza, com que se pretende produzir por meio de atos ou palavras, efeitos e fenômenos extraordinários, contrários às leis naturais. Tais pessoas são conhecidas como mágicas, pois procuram captar estas forças e coloca-las à sua disposição.
            Monismo: acredita que os deuses são homens divinizados Por esta razão, cultivam as almas de defuntos. Oferecem sacrifícios e prestam louvores e cultos aos mortos.
            Totemismo: acredita em totem (animal, vegetal ou outro objeto) que tenha sido símbolo de tribo dos antigos ancestrais. O totem era o protetor e deus da tribo, que ditava os tabus e deveres particulares.Totem significa, etimologicamente, tribo ou clã.
            Gnosticismo: forma filosófico-religiosa que visa conciliar todas as religiões e explicar-lhes o sentido por meio da gnose (conhecimento), que são dogmas transmitidos pela sabedoria e tradição.

           
            As grandes religiões do mundo

Hinduismo

De todas as religiões, possivelmente, o hinduísmo em razão de sua diversidade.ou seja a mais difícil de descrever resumidamente em razão de sua diversidade. Embora possua uma tríade de grandes deuses – Brahma, o Criador; Shiva, o Destruidor, e Vishnu, o Conservador, o hinduismo pode ser um agnóstico, panteísta, monoteísta e até um ateísta. A única regra universalmente aceita pelo hindu é a de seguir as normas de sua casta na expectativa de um futuro feliz para si mesmo. Estima-se que tenha surgido por volta de 1500 a.C. resultado da invasão da Índia pelos arianos indo-europeus. O sistema religioso é organizado em torno de quatro escritos sagrados, conhecidos com Vedas.
O Código de Manu, uma coleção de preceitos morais diz que todo hindu pertencente a uma das primeiras quatro grandes castas que formam a sociedade, surgiu do corpo do Criador Brahma. Em razão disso, não pode misturar-se com alguém de outra casta, devendo as castas manterem-se separadas, sem interação nenhuma do nascimento à morte. A transmigração da alma é uma das crenças.


Espiritismo

            Embora o espiritismo tenha surgido no século 19, alguns de seus pressupostos básicos como a rerencarnação, o carma e a pluralidade dos mundos são encontrados já no hinduísmo primitivo.
            Sistematizado por Allan Kardec, o espiritismo inova o entendimento de Homem a partir de uma visão tridimensional:
            o corpo- sem valor em si mesmo, é parte menos nobre e só adquire valor na medida em que possibilitar ao espírito uma relação com o mundo exterior;
a alma ou espírito- uma criação divina e princípio inteligível, no qual residem o pensamento, a vontade e o senso moral;
o perispírito- é a condensação de um fluido universal, normalmente invisível, que possibilita e explica as aparições nas sessões espíritas. É como se fosse um envoltório do espírito, necessário para a união corpo-espírito, não sendo, por isso, nem só material, nem só espiritual.
O mundo é concebido em dois planos: o material, onde habitam os vivos e o espiritual, onde habitam os mortos, onde ficam os espíritos desencarnados à espera da reencarnação.

            Budismo
O budismo começou no século 6 aC. Como dissidência do hinduísmo nas proximidades do Himalaia e seu fundador foi Siddarta Gautama, o Buda. Baseia-se nos oito caminhos::fé justa, resolução justa, palavra justa, conduta justa,esforço justo, pensamento justo, ocupação justa e meditação justa. Com isso, alcança-se o estado de nirvana que é o estado mental livre de paixões. Buda anulou o sistema de castas.
            Gautama não acreditava num ser supremo, não via importância no ato de orar, aceitava a crença na transmigração da alma e na Lei do Carma.
            Os diversos grupos de budismo podem ser reconhecidos a partir de cinco categorias:
            -as seitas da terra pura: o objetivo último é atingir o paraíso;
            -as seitas dos intuitivos; perseguem os benefícios da contemplação, vivendo-se vida simples e autodisciplinada;
            -as seitas racionalistas: utilizam-se do processo sincrético, alegando que não há apenas um caminho a ser observado;
            -as seitas da palavra pura: depositam a fé num salvador;
            -as seitas sociopolíticas: desenvolvem, como no Japão, um forte sentimento nacionalista.

                        Taoísmo
            O taoísmo, religião da China, consiste basicamente numa idéia filosófica superposta a crenças antigas. A base desse sistema repousa em crenças chinesas antigas que acreditavam na harmonia fundamental dos espíritos e objetos materiais e em modos de energia denominados Yang e Yin. O Yang é caracterizado pelo quente, criativo e masculinizado; o Yin, pela frieza, negatividade e feminilizada. Tudo tem características de Yang e Yin, superpondo-se em sucessão infinita com base na energia cósmica. O Tão é literalmente traduzido como o CAMINHO.
O taoísmo se desenvolve em três fases: a primeira é filosófica e começa com Lao-Tsé (604 a.C.); a segunda, com Chuang-Tsé, da filosofia do “não faça nada”; na terceira fase, o taoísmo tornou-se religião.

                        Confucionismo

            O confucionismo  é simples de descrever. Os ensinamentos de Confúcio são relativamente diretos e claros por duas razões: por um lado, as informações sobre Confúcio como pessoa estão muito próximos de lenda e, por outro lado, o seu ponto de vista prático simplifica os valores a tal ponto que o sistema ainda permanece obscuro.
            A centralidade da filosofia de Confúcio pode ser resumida pelo uso da palavra “li”. Por ela entende-se cortesia, reverência, ritos e cerimônias e o posicionamento ideal da vida pública e privada. O chinês mais moderno entende por “li” uma ordem social ideal com tudo em seu devido lugar e com todas as pessoas prestando respeito e reverência aos outros na hierarquia social.O confucionismo é racionalista, a ponto de entender que os rituais eram atividades que serviam para estabilizar efeitos morais sobre as pessoas. Outra característica é o sincretismo. Confúcio agrega os aspectos que lhe interessam de outros movimentos.

                        Xintoísmo
            O xintoísmo é a religião popular do Japão; é uma religião peculiar por ser uma expressão do amor japonês por seu país e suas instituições. O xintoísmo primitivo via o Japão como a terra dos deuses, o que explica o caráter nacionalista da religião.
Shinto, “o caminho dos deuses”, pode ser descrito como um modo ideal de comportamento. O seu sistema ético inclui preceitos: lealdade ao imperador, gratidão, coragem diante da morte, o serviço aos outros está acima dos interesses próprios, a verdade, a polidez até mesmo com os inimigos, controle das manifestações dos sentimentos e a honra, que significa o ato de preferir a morte à desgraça.

                        Islamismo
            O islamismo, movimento religioso que congrega a nação árabe, é também conhecido como maometismo. A origem do islamismo está fortemente vinculada à história judaica, uma vez que é no judaísmo que se encontra a origem racial dos árabes. No Antigo Testamento está registrado que Abraão, casado com Sara, não possuía herdeiros, visto sua esposa não poder dar |à luz. Sensibilizada com a possibilidade de Abraão não ser pai de uma grande nação, conforme Javé lhe prometera, Sara dá a Abraão sua escrava Agar para que esta lhe gere um filho. Dessa união, nasce Ismael. Após um tempo, Sara também dá à luz um filho, Isac. Ismael passa a conviver com os nômades do deserto, daí surgindo a nação árabe. Maomé congrega a nação árabe, junta às crenças árabes nativas, conceitos do judaísmo e do cristianismo, daí surgindo o Corão, livro de preceitos a serem seguidos.
            A mais importante formulação teológica do maometismo é o credo repetido constantemente por seus seguidores: só Alá é deus e Maomé seu profeta. Os rituais religiosos são compostos basicamente por cinco princípios, também chamados de “Os cinco pilares: repetição constante da fórmula” só Alá...”; fazer cinco orações diárias; dar esmolas aos necessitados; jejuar todos os dias do amanhecer ao anoitecer no mês de Radamá; fazer uma peregrinação à Meca,cidade sagrada.
            Os Xiitas, um ramo do maometismo, eram descendentes de Fátima, a filha de Maomé, casada com Ali e acreditavam que o profeta viera do céu.

                        Cultos afro-brasileiros
            Trazidos da África para o ocidente, no século 16 como escravos e impedidos de cultuarem suas crenças, os africanos desenvolveram práticas sincretistas, absorvendo em sua fé, elementos religiosos e interpretando-os conforme suas crenças originais. Assim é que no Brasil os africanos incorporaram em suas crenças práticas católicas romanas, indigenistas e até espíritas.Desse processo, emergiram vários comportamentos chamados de cultos afro-brasileiros, destacando-se o candomblé e a umbanda.

                        Judaísmo
            A história do judaísmo começa como do islamismo.A origem do judaísmo se diferencia pela ida de Jacó, um dos filhos de Abraão ao Egito, onde seu filho José já era primeiro-ministro do Faraó. Após a morte de José, o povo descendente de Jacó e seus filhos foram oprimidos e escravizados. A libertação se dá através de Moisés, o grande codificador do Judaísmo. Durante quarenta anos, Moisés conduz os descendentes de Jacó pelo deserto até chegarem ao Monte Sinai, onde recebem os Dez Mandamentos e as leis cerimoniais e civis a serem observadas.
No decorrer de toda história, o povo judeu desenvolveu a convicção de ser o povo eleito, o povo de Deus que sempre dirigiu os seus escolhidos mesmo nos momentos mais críticos.
            O judaísmo é de fundamental importância para o cristianismo, pois este entenderá que o Messias prometido aos judeus é Jesus Cristo que, na realidade, vem estabelecer um reinado divino não terreno, mas espiritual.

                        Cristianismo

            O cristianismo tem sua origem no judaísmo com Jesus Cristo, verdadeiro Homem e verdadeiro Deus, nascido em Belém da Judéia. O nascimento de Jesus dividiu a história da humanidade em duas grandes eras: Antes de Cristo e depois de Cristo. Cristo fez-se homem em nosso lugar para resgatar e salvar a humanidade. Diz a Bíblia: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu ao seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crê não pereça  mas tenha a vida eterna (João 3,16)”.
            O cristianismo e a revelação bíblica em geral têm sido questionados quanto ao fato de serem ou não um autêntico humanismo em razão da grande ênfase dada ao conceito de Deus. Para muitos, a figura de Deus simplesmente abafaria o ser humano, tornando este um mero apêndice Dele. Para outros, o ser humano seria tão negado nesse contexto do cristianismo que seria difícil ver esta doutrina como humanista. Para outros, ainda, a doutrina cristã não passa de uma alienação opressiva.
Entretanto, podemos afirmar que o cristianismo mostra-se como autêntico humanismo, pois, com certeza, representa a mais elevada forma e afirmação do ser humano. E, primeiro lugar, atesta que Deus é o criador do Homem.
            Nas primeiras páginas da Bíblia, Deus é visto como o criador pessoal do ser humano. O termo “pessoal” é aqui enfatizado em oposição ao conceito de criação aristotélico, segundo o qual Deus cria o mundo por emanação, inconscientemente, não tomando, pois, conhecimento dele, desconhecimento esse justificado, porque, segundo a linha de pensamento de Aristóteles, Deus resume em si tanta perfeição que é até mesmo incapaz de pensar o imperfeito.
            Colocando-se a idéia do Homem como interlocutor de Deus, enfatiza-se uma semelhança que, incluindo em si própria a diferença, abre caminho para um encontro, encontro para cima, que, por isso mesmo, se torna uma saída. O cristão, assim, pode olhar para o totalmente outro com a certeza de que esse totalmente outro, que não se confunde nem com a natureza humana e muito menos com a natureza em geral, se acha totalmente voltado para o Homem. Comprova-se isso pelo fato de Deus, conservando a sua natureza essencial, assumir em Cristo Jesus toda a natureza humana, humana sobretudo no seu dispor-se para a limitação, a fraqueza, a dor e a morte. Se, pois, Deus quer o Homem como seu interlocutor, e o Homem perdeu a capacidade de elevar-se até ele, reenceta o diálogo justamente onde o Homem se encontra: na miséria da existência humana. Se, na encarnação, desce à miséria humana, o faz para o Homem subir a sua glória.

                        MARX, FREUD E NIETZCHE –

            A crítica do marxismo.
           
            A essência do homem marxista não comporta a realidade divina. Como ser de necessidades(apenas materiais), o sujeito humano está vertido à natureza, seu objeto de satisfação. Essa intencionalidade, porém, tornou-se abstrata e alienou-se da natureza, devido à organização econômica nela introduzida pelo sistema capitalista, perdendo-se então neste outro objeto – o dinheiro – que não o naturalmente seu.
            Na sociedade capitalista, a natureza é de tal modo explorada que q sua transformação não retorna ao homem que a transforma pelo trabalho, mas ao senhor todo-poderoso do capital. Nesse contexto, nasce a religião, que é uma alienação secundária derivada da alienação econômica fundamental. O homem, por não conseguir realizar-se no mundo de sua vivência espontânea que transforma pela mediação do seu trabalho, procura então transcender esse mundo do aqui e agora para realizar-se num mundo divino, o do além: irreal e fictício. Assim, Deus não é uma realidade intencional, exigida pela natureza humana, mas alienação decorrente da situação econômica. Na vida do homem não há lugar para experiência divina.


            Nietzsche e o conceito de Deus.
            Nietzsche não hesita em dizer que o conceito de Deus  foi criado como oposto ao conceito de vida; tudo o que há de novo, de venenoso e difamatório e toda a hostilidade mortal contra a vida se acham condensados nele, numa terrível unidade.
            Nietzsche considera que o cristianismo tem um efeito degenerativo, porque doma o espírito e enfraquece a vontade de poder com a sua condenação do orgulho, da paixão, da cólera, dos instintos de guerra e de conquista.
Para ele, o santo cristão é um produto do medo do inferno e não do amor à humanidade. Apenas a vontade de poder permite ao homem ultrapassar a si mesmo.

                       
.                       Freud e a religião

            Freud considera a religião uma neurose obsessiva a ponto de tirar do homem a liberdade. Considera a fase infantil, isenta, livre, porque ainda não foi introduzida em doutrinas religiosas. A parti do momento em que isso passa a ocorrer, há retardamento do desenvolvimento sexual, uma vez que a religião se baseia em proibições e culpas. Condena a substituição de substâncias curativas por devoção. Entretanto, considera insensato tentar eliminar a religião pela força, e de um só golpe, àqueles que a vêm praticando por dezenas de anos.Mas é preciso “educar” os homens para a realidade, tirando-os dessa posição infantil. É preciso que enfrentem o mundo hostil pelos seus próprios meios,
            “Como honestos arrendatários nesta terra, os homens aprenderão a cultivar seu terreno de tal modo que ele os sustente. Afastando suas expectativas em relação a um outro mundo e concentrando todas as energias liberadas em sua vida na terra, provavelmente conseguirão alcançar um estado de coisas em que a vida se tornará tolerável para todos e a civilização não mais será opressiva para ninguém. Então, poderão dizer sem pesar:      
  Den himmel überlassen wir
  Den Engeln und Spatzen.
Traduzindo:
                                               Deixem o Céu aos anjos e aos pardais.”

(in. Freud , Os pensadores, p.123)

               Chegamos ao fim de nossa pesquisa sobre Filosofia da religião sem, entretanto, esgotarmos o assunto, quer pela profundidade que pela extensão do mesmo; apenas colhemos os tópicos principais.
                         
               Referências
                  Os pensadores; Freud. Ed. Abril Cultural – 1978
                  KUCHENBECKER, Valter e outros, O homem e o sagrado. Editora da Ulbra.1996 RS
                  Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados , O homem em busca de Deus. SP, 1980
                  KUNZ, Edmundo L.. Deus no espaço existencial; Ed. Sulina , Porto Alegre,RS 1975
                  JAPIASSÚ,Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Jorge Zahar Editor, RJ,1996

                 CHALITA, Gabriel.Vivendo a filosofia. SP: Ática.2005
Olha esta!


          Hoje é o aniversário de um menino chamado Betinho. Menino bonito, inteligente, mas de gostos, digamos, engraçados. Por exemplo: se esconde na despensa, sabe para que? Para comer cebola crua, com casca e tudo! Também gosta muito, mas muito mesmo, de ouvir historinhas , de qualquer  espécie.
          A tia dele, cujo nome prefiro manter em segredo, sempre foi pouco varredeira mas muito fazedeira. Explicando melhor: não era lá muito fã de tarefas domésticas, mas fazia bonecas de pano como ninguém, pintava cadeiras velhas que ficavam uma belezura aos olhos da criançada, fazia teatro criando os textos que encantavam as (pobres) crianças; levava a meninada à matiné para ver os filmes de Teixeirinha, ia ao circo em domingo á tarde, esfolando ao sol no percurso de quatro quilômetros... e a meninada,  em fila, com a boca cheia d’água só pensando na maçã do amor.  Este é o esboço do retrato dessa tia. Mas o forte mesmo, mesmo, era a contação de histórias, em especial as que nunca tinham fim.
           Vai que o menino Betinho, fissurado que era pelas tais narrativas, não podia ver sua tia sem pedir que lhe contasse uma “estoinha”, chegando levar a tia ao desespero,arrepiando o cabelo.
            Um belo dia, a tal contadora de histórias resolveu dar um susto no garoto e inventou uma história quase de terror para quando ele viesse com aquela “tia, conta uma estoinha”.Daí a pouco, não deu outra. Lá veio o menino, com cara de pidão:
          - Tia, conta u..
          -Já, sei, cortou a tia. Senta aí, escuta com atenção. É uma coisa terrível que vou contar. Aconteceu de verdade verdadeira.  Cuidado! Depois não vai dizer que não avisei. Quer ouvir assim mesmo?
            Betinho nem pensou.
           -Quero, sim!
           -Lá vai.
           
           Era uma vez um menino que comia cebola crua e gostava muito de histórias. Mas gostava tanto, mas tanto que a tia dele, que não vou dizer o nome, não podia chegar perto dele que ele já ia dizendo:
            -Tia, conta uma estoinha.
             A pobre da mulher já estava à beira da loucura. Onde ia, só ouvia a cantilena: “tia, conta uma estoinha”.
             Como a tia era assim com as bruxas, as fadas, os anões, os animais que falavam e todos os monstros de todos os contos e de todos os cantos da terra, um dia telefonou com o cabo da vassoura para a bruxa Sipila, dona de um nariz enorme, de olhos cor de fogo e um só dente, encapado de ouro. Ela era terrível. Sua risada ecoava na floresta assustando até o pobre do Saci Pererê. Imaginem só a figura.
              Sipila já chegou pronta pro estrago, ops, para o trabalho, doida pra fazer das suas.
              Ouviu a queixa da tal da tia, pensou um pouco e....Tchan tchan tchan tchan
             _Vou fazer uma mandinga que este pestinha nunca mais vai incomodar.
             Com três balinhas de goma, uma de cada cor, uma pena azul de passarinho, um dente de leite do menino, uma colher de mel e três dentes de alho, fez uma trouxinha, disse umas palavras mágicas que não deu para entender, e colocou embaixo do travesseiro do Betinho.
             Despediu-se com uma horrível gargalhada e dentro de uma fumaça preta sumiu sumida.
            Aqui começa o drama do menino. A parti desse momento, o pobrezinho desaprendeu de falar. Só dizia “tia conta uma estoinha”. Queria comer, em vez de pedir comida, só saía “tia conta uma estoinha”. Queria água, só saía “tia conta uma estóinha”. Queria dormir, lá vinha “tia conta estoinha”. No fim do dia, a tia , escangalhada de tanto contar e contar, dormiu sentada mesmo. E aí todos querem saber o que acontecia com o menino. Louco de fome, sede, vontade de fazer xixi, de dormi, de brincar, entendeu que precisava mudar. Mas ainda não conseguia fala outra coisa que não “tia,.....”
            A tia, então, percebendo que esse era o momento certo, passou um sabão no garoto que jurou não mais incomodar tanto. Ia pedir só uminha história por dia. Se abraçaram, prometeram amar-se para sempre. O menino saiu fazendo coração com as mãos. A tia se emocionou, secou uma lágrima com o avental. Avental? Tá bom, com a mão! Atrás da porta, o anjo da guarda de Betinho, sorrindo, fez sinal de positivo com o polegar. E assim acaba esta história.
            -Betinho, você gostou?
             -Gostei muito, tia. Agora CONTA OUTRA ESTOINHA!!!
                

                      (SOCORRO!!)

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

                                           
                                              O OCASO DE MARIA


        Com letra caprichada, palavras muito bem escolhidas, pontos de exclamação, vírgulas, reticências e muitas interrogações, Maria foi escrevendo sua história como quem derrama poesia em jarras de cristal ou na correnteza do rio, como quem ensaia um bailado em direção ao horizonte longo, avançando sempre, e sempre, e cada vez mais longe, cada vez mais longe, para frente, adiante, deslizando suavemente, ora em busca da estrela vésper, ora colhendo uns poucos raios de sol. Mas o horizonte se mantinha distante, afastando-se sempre mais, por muitas primaveras sonoras, contáveis e alegres verões, nostálgicos outonos e cinzentos e intimistas invernos, tão distante que se pensava ser inalcançável, tal qual o começo do arco-íris. Maria jamais chegaria lá.
              Pois é. Não poderia ser surpreendente este final de jornada. Não.  A chegada é a sequência lógica de uma viagem, seja ela qual for.
               Maria está pertinho do ocaso. Antes, está fazendo uma viagem para dentro de si mesma, num universo desconhecido para ela, talvez explorando emoções nunca antes vividas, enfrentando seus fantasmas, e na insanidade a que foi arremessada, fazendo a catarse das mazelas acumuladas ao longo dos anos dedicados aos outros, doadora que foi do seu profundo saber.
                  Maria não mais busca alcançar as cores do horizonte ao anoitecer porque seus quereres ficaram para trás. Não sabe mais quando está saciada de qualquer coisa, nem se é bonita, se precisa dormir, se está cansada. Mas ainda canta, é coerente no seu discurso e se mostra forte como se tivesse pudor em mostrar-se fragilizada.
                  Maria chegou ao seu ocaso. Ela não sabe disso. Não vamos contar a ela. Vamos deixar que percorra esta etapa no vagar de seus noventa anos, passo por passo, até mergulhar na noite sem fim, com a nossa bênção. E que, então, onde estiver, receba a água benta da chuva, a música suave do vento e no aconchego da terra, a mãe terra a cubra levemente. E que o sol a aqueça porque ela aqueceu os corações de incontáveis crianças que participaram do seu viver.
                   Maria nasceu no dia dedicado à professora. Maria ainda está entre nós. Aliás, sempre estará entre nós.  Sempre.
                   Sempre.

                  ( Será que ela sabe que as rosas vermelhas sempre foram suas prediletas?)



segunda-feira, 27 de julho de 2015

                               CARTA À PROFESSORA MARIA THÈRÈZIA


                                Minha sempre lembrada e amada Da. Maria
    
                                Parece ter sido um sonho o nosso encontro. Cheio de palavras que se atropelavam numa ânsia incontida de dizer tudo. Imagine! Alguém em sã consciência pensaria que se pode fazer isso num momento tão especial? Também ocorreram silêncios, embora curtos, quando nossas almas se encontravam através dos olhos marejados. Esses silêncios vinham  carregados de significado.
                               Sim senhora!  Que dia! Tivemos a coragem de revirar os anos lá de trás, quando eu era uma menina de terceira série primária e a senhora uma professorinha recém formada, buscando em cada um dos seus alunos a realização de seu sonho: ensinar a ver, a ouvir, a falar, a sentir com o corpo e com a alma, percebendo-se e percebendo o mundo, Enfim, ensinar a viver.
                               Muitas vezes deixo o pensamento solto por aí e, quando menos espero, lá vai ele naquele lugar especial do passado, na aula de canto para a sagração da primavera. Outras vezes, caminhando pela estrada para desenvolver a capacidade de observar começando pelos vários tons de verde das plantas. Tão simples, tão óbvio mas que nunca ocorrera a nenhum de nós, crianças espevitadas, cuja convivência com a natureza era quase um simbiose. Mas a senhora nos fez parar um pouquinho para olhar e ver. É isto.
                               Quando lhe perguntei como foi sua chegada na nossa comunidade, qual foi sua primeira impressão, eu queria ouvir uma declaração bombástica, mas vem a senhora e me diz com doçura:
                              - Fui recebida como um novo membro da família. Da. Linda e seu Virgílio me acolheram como num abraço. Encontrei aí o guarda-chuva que me abrigaria daí em diante.
                           A esta declaração seguiu um breve silêncio, talvez revivendo a sensação da chegada ao desconhecido num rápido passeio à sua memória, ainda plena, lúcida e luminosa.
                                Sabe, Da. Maria, quando tomei a decisão de encontrá-la e ir até  onde estivesse,  passei a ensaiar como portar-me, o que falar, e como faze-lo;  pensei em mil perguntas a lhe fazer. Tinha medo de cometer erros gramaticais e de sintaxe como quem leva o caderno à mesa da professora para mostrar suas tarefas. Mas que nada! Perdi o ensaio, perguntas não saíram da garganta e me comportei como uma criança destrambelhada. Ora queria dizer e não dizia, ora pensava uma coisa e dizia outra. Tudo por conta de estar diante de uma grande mulher, da inigualável mestra que sempre soube o quanto seria importante seu ministério ao longo da vida  e para a vida de tantas e tantas crianças a quem conquistou definitivamente.
                               Na véspera da visita, entre todas as preocupações acima relacionadas, somava-se uma muito, digamos, feminina: que roupa vestir, etc.etc.etc. Bem, confesso que a escolha foi rápida porque a opção foi pela blusa mais bonita do armário e uma calça confortável porque eu precisava me sentir bem na sua presença e até certo ponto, descontraída.
                            Fiz bem em me preocupar. Encontrei uma mulher elegante em sua simplicidade, com um perfume suave que me pareceu de violeta (estou certa?), muito à vontade, apoiada num aparelho para caminhar sem com isso diminuir sua distinção.
                     Mas, que lástima professora. Por culpa de sua osteoporose intrometida, meu abraço teve que ser delicado, muito delicado, como se fosse tocar num fino cristal.
Pensei que este momento seria mais difícil, mas mais uma vez lá veio a lição! Foi uma festa! Uma Alegria! Como já disse, um atropelo de assuntos, um reviver, um revirar, um hino de amor, um momento poético que só quem bebeu da fonte da sua sabedoria é capaz de entender.
                    Por desígnios divinos, a senhora aniversaria no dia dedicado às professoras e, neste ano de 2015, vamos até aí festejar seu nonagésimo aniversário, suas alunas daqui, a Noelly e eu, mas tenha a certeza que todos os que passaram pela sua escola estarão lembrando da senhora com muito, muito carinho.
                     Que mais dizer de maneira a não entediá-a na leitura deste bilhetinho?
Que a amo profundamente, que a sra. sempre foi, e é, a minha inspiração, o exemplo que procurei seguir.
                                                            Beijos e obrigada, professora!

                                                             Até qualquer dia

segunda-feira, 22 de junho de 2015




PARA PENSAR UM POUQUINHO


               Certas situações, frases, ocasiões,palavras, ou qualquer outra alternativa, são capazes de nos oferecer oportunidade para reflexão. O difícil é colher a coisa certa no momento certo. 
               Foi o que aconteceu comigo há poucos dias.
               Ao passar por duas pessoas paradas na calçada conversando, ouvi sem curiosidade o seguinte: "E por que não?"
               Aquela pergunta me perseguiu o dia todo:"E por que não?"
               Reflita.




segunda-feira, 25 de maio de 2015


BOM DIA, DONA MARIA

Sempre temos aquele dia especial em que fazemos um passeio no passado, quer por saudades, quer para lá buscar motivos para, digamos, viver. É o caso de hoje.
A chuva sempre mexe comigo: alivia as dores nas juntas, me faz olhar com nostalgia os baús dos guardados e remexe na minha infância mais remota, onde estão alojadas as mais importantes lembranças. Nem os amores da adolescência e da juventude juntos são capazes de superá-las em importância. E quero aproveitar esta chuvinha gostosa para render uma homenagem a alguém muito especial que, depois de meus pais, ocupou, e ocupa, um lugar enorme no meu coração e na minha vida. Já já vão entender. Por isso escrevo esta carta , mas antes algumas observações necessárias para entender melhor este ataque de nostalgia.
Quantas saudades! Nem queira imaginar as inúmeras vezes que tentei escrever para a professora Maria. Nunca tive dúvida do que queria lhe dizer, mas COMO dizer de forma que meu coração fosse percebido nas palavras escritas.
Volto no tempo numa viagem de mais de sessenta anos e me vejo, junto aos meus colegas e à comunidade, numa febril expectativa com a chegada da nova professora. Nova? Será? Até agora só têm vindo lecionar mulheres maduras, de idade indefinida e não revelada, cujos métodos didáticos não iam muito além da palmatória e da vara de vime, da decoreba e da aprendizagem na teoria do medo; figurino adequado à importância do cargo, isto é, variando muito pouco do vestido preto até o tornozelo, braços cobertos e gola alta. Quando muito, permitiam-se um broche de camafeu e brincos de ouro com rubis. Os cabelos sempre bem penteados, invariavelmente eram presos em coque e seguros com pente feito de casco de tartaruga.
A escola era uma linda casinha caiada, feita de tijolos, duas janelas de cada lado e uma nos fundos, uma porta inteiriça pintada de azul-anil e o telhado de cumeeiras de barro. Era um encanto, apesar da tortura do processo de aprendizagem.
Ali também era local de negócios: o sistema de troca-troca de merenda funcionava que era uma beleza e, dependendo da época, o comércio tinha cheiros peculiares. Quer um exemplo? Fevereiro e março a sala única exalava o cheiro de goiaba; junho e julho era a vez das bergamotas; ainda no inverno, o cheiro de pé-de-moleque aguçava a gula da criançada e, paralelo a esse escambo, ainda se fazia comércio de flautas de taquara, fundas, garrafinhas vazias de extrato, latinhas de sardinha que viravam panelinhas e tantas outras preciosidades que só vendo!
E os alunos como eram? Costumo dizer que éramos crianças sem definição em termos de beleza, mais ou menos todos iguais, cabelos desgrenhados, invariavelmente com nariz escorrendo e que era limpo na manga, pés descalços (que ninguém era filho de rei), quase sempre carregando “passageiros” na cabeça, sempre quatro/cinco com panos amarrados nos pés por ferimentos, e por aí vai.
Uma característica geral era a timidez. Todos muito envergonhados, sem coragem de olhar de frente para alguém que não fosse seu colega, assim eram educados pela família. Aliás, as famílias merecem uma explicação: numerosas, tinham em média dez filhos; todas dedicadas à agricultura, sistema familiar patriarcal, isto é, só quem decidia tudo, mas tudo mesmo, era o chefe da casa. Às mulheres cabia ensinar seus filhos, fazer as lides doméstica e ainda trabalhar na roça, dar assistência à comunidade numa tarefa considerada ”coisas de comadre” e que incluía rezar o terço na capela aos domingos e acompanhar velórios e enterros. Esta é apenas uma pequena mostra das famílias que, sem dúvida mereceriam um tratado especial.
É dever ressaltar que os valores relativos à vida particular e comunitária, bem como os religiosos, eram cultivados por todos, o que permitia uma convivência harmoniosa.
Essa época era a da segunda guerra mundial. E dela pouco se tinha notícias a não ser pelas revistas que esporadicamente chegavam na venda do meu pai, enviadas por amigos da capital. E era na venda que o pessoal vinha saber o que estava acontecendo pelo mundo. Nós, a criançada, morríamos de medo que levassem os nossos pais e irmãos. Mas saber o que era guerra mesmo, nem os adultos sabiam, e muito menos por que o mundo precisava se estraçalhar.
Lembro com emoção especial do dia sete de setembro de mil, novecentos e quarenta e quatro. O patriotismo, um dos valores cultivados nas famílias e na escola, quase saltava do peito, muito mais quando o Brasil mandava seus rapazes para a Europa, e entre eles, alguns da nossa comunidade. Ensaiamos todos os hinos do livro de leitura: Hino Nacional, Hino à Bandeira, Hino do Rio Grande do Sul, Hino do Estudante (Estudante do Brasil, tua missão é a maior missão, batalhar pela verdade, impor a tua geração), Hino do Expedicionário. Ah! Mas este emocionava. Era cantado a plenos pulmões, com a mão espalmada sobre o peito. As vozes se espalhavam pelo pequeno vale do Arroio Augusta, atravessavam a pinguela, chegavam até a casa do Seu Benedito e da Dona Dusolina e os fazia chorar.
Assim preparávamos o desfile de Sete de Setembro.
Chega o grande dia! Banho tomado, cabelo arrumado da melhor maneira, pés calçados, alguns de chinelos, outros de tamancos e uns poucos de sapatos.
O peito estufado de orgulho pela Pátria (por ela qualquer um morreria, naquele dia) e, em fila de dois, obedecendo a voz de comando da professora que marcava o um/dois com a vara de vime, lá se foi o pequeno batalhão, orgulho de todos, mas muito mais de si mesmo.
O percurso de mil (longos) metros era feito com força, quer dizer, batendo os pés com toda força a ponto de alguns alunos ficarem com aquela dor no calcanhar por alguns dias. Ah! Mas que lindo! Não precisava terminar nunca!  A emoção era tanta que o dia sorria grande. Antes da largada da grande marcha, algumas mães foram à escola servir o melhor café da minha vida! Café com leite, pão com manteiga e melado, broas de polvilho, amanteigados e bolachas com merengue e açúcar de muitas cores, tudo isto numa mesa com toalha bordada, e a criançada salivando enquanto o café enchia o ambiente com aquele cheirinho gostoso. Pronto! Só de lembrar já estou salivando. As lembranças são assim mesmo, se fazem acompanhar de todos os sentidos.
Mas vamos ao desfile e à surpresa da chegada.

UM DOIS, UM DOIS, UM DOIS!  A voz de comando se fazia ouvir muito longe.
ATENÇÃO! HINO DO SOLDADO!  UM... DOIS... E...T RÊS !
Nós somos da Pátria amada
Fiéis soldados por ela amados
Nas cores de nossa farda
Rebrilha a glória
Fulge a vitória ........(Que será que quer dizer”fulge”?)
 De repente, naquela marcha vigorosa, alguém perdia o chinelo e, claro, o ritmo. O vime descia nas costas da pobre criatura que tastaviava e, rápido, retomava a marcha. Os hinos se sucediam e a poeira subia sujando os pés lavados e esfregados como nunca, numa véspera marcada pela ansiedade e pela insônia.
Faltavam pouco mais de duzentos metros para chegarmos ao outro lugarejo quando, como por mágica, começaram espocar os foguetes da recepção. Penso que cada um se sentia como um general, garboso, altivo, sério, muito sério, até com certo ar de superioridade.
ATENÇÃO! (Volta a voz de comando)
HINO À BANDEIRA! UM...DOIS...E...TRÊS!
Salve, lindo pendão da esperança
Salve, símbolo augusto da paz ........(augusto? Bem...)
Chegamos e fomos muito aplaudidos pelo pessoal que continuou soltando foguetes e dando vivas ao Brasil, aos brasileiros que foram para a guerra, vivas à professora e aos alunos. Que maravilha!!!
ATENÇÃO! SEM- TI- DO!!! DESCANSAR!!!
A ordem dada não significava “descansar”, claro! Era como “parar” e esperar a próxima surpresa, de preferência comestível.
E esta veio, graças a Deus! Nos ofereceram pão feito na padaria da cidade, mais bolachas enfeitadas e caramelos em forma de peixinhos, de todas as cores.
 Feita a festa, retornamos à escola marchando, esfalfados pelo calor do sol e do feito heróico: a marcha. É, o patriotismo já não é mais aquele...
Com esta localização da comunidade escolar no tempo e no espaço, será mais fácil entender – se é que é possível – o que representou a vinda da nova professora no ano de mil, novecentos e quarenta e seis.
O anúncio que a nova professora estava a caminho, e que em poucos dias estaria dando início ao ano letivo, ocasionou o maior burburinho na comunidade, inclusive com apostas de como ela seria. Todo mundo dando palpite. E todo mundo errou, com a graça do bom Deus. Falava-se em solteirona rabugenta, magra e alta, cabelo assim-assim, só faltando uma vassoura para sair voando mundo a fora; outros apostavam numa continuidade de figura e figurino, lembram da descrição inicial? A base para tais especulações era a falta de tudo naquele pedaço de Brasil (!), sem considerar a distância de acesso ao conforto, às informações, enfim, ao mundo cultural. A ligação com o “mundo” era feita pelo telefone da venda  de nossa família e pelo ônibus que passava todos os dias, menos sábado e domingo e que, muito oportunamente, era apelidado de TRACOMA. Explico: havia uma epidemia de dor de vista que se caracterizava por vermelhão, coceira, dor, remela, entre outros sintomas e que talvez hoje seria chamada de conjuntivite. Pois bem, o ônibus transportava duas vezes a sua lotação de pessoas com lenço na mão. Engraçado se não fosse tão doloroso.
Enfim, eis o grande momento da chegada daquela que seria, para todos e para sempre, a PROFESSORA, ou a DONA MARIA.
E ouso, a partir deste ponto, buscando coragem nas lembranças, passar para o papel a carta que há muitos anos está guardada no coração.

“Querida Professora Da. Maria
(espaço)
Espero que esta a encontre bem de saúde. (Linha nova)
Aqui em casa todos estão muito bem e mandam lembranças. E querem saber se a sua filha já esta grande, se é parecida com a senhora, se é tão inteligente quanto a senhora. As crianças aqui de casa crescem igual abóboras, e são tantas quanto um aboboral. (linha nova)
Todos os seus alunos estão com muita saudade e mandam lembranças. Os pais deles também. (linha nova)
O Padre Fernando, sempre que vem rezar missa, pergunta pela senhora, e diz que aqui e em qualquer lugar nunca mais uma mestra como a senhora. Nós concordamos com ele, claro! (linha nova )
Professora, não tendo outras noticias para lhe dar, me despeço com saudades. (linha nova e espaço para fechar a carta)

Um abraço de sua aluna
........................................”
Este foi o modelo de carta que aprendemos nos idos de quarenta mas que hoje abandono para deixar que a gratidão escorra pela tinta de minha esferográfica. Por isto, minha amada, caríssima e sempre lembrada professora, minha guia em todos os momentos da vida, meu modelo e exemplo, meu norte, minha fada, minha santa, eu apenas lhe digo, com todo o afeto de que sou capaz:


AVE, DONA MARIA, CHEIA DE GRAÇA!
                   BENDITA SOIS VÓS ENTRE NÓS, SEUS ALUNOS


Não sei se alguém, algum dia, lhe falou do que significou sua passagem pelo nosso pequeno Arroio Augusta. Mas mesmo que o tenham feito, quero dar a minha versão, na ótica de uma criança ao lembrar as emoções da época, e no ponto de vista de quem, hoje, se sustenta na vida com seus ensinamentos e seu exemplo em todos os aspectos que correspondem a uma personalidade íntegra.
Lembro de sua chegada (tão esperada!), mansa, sorriso encabulado, até certo ponto inibida; vestia simplesmente, uma saia marrom de lãzinha, sapato baixo também marrom de camurça e cadarço, meias soquete amarelas e uma blusinha também amarela de cambraia. Estatura mediana, cabelos ruivos com reflexos dourados ao sol; pele muito clara com montes de sardas no nariz e nas maçãs do rosto e lindos olhos da cor do mel; as mãos expressivas de unhas rosadas, de gestos meio contidos; fala mansa e voz melodiosa; olhar direto sem ser arrogante,  muito curioso e observador. Um suave perfume de sabonete a envolvia e formava a aura da mulher maravilhosa que tomou posse daquela terra e daquela gente sem esforço maior.
Naquele exato momento todos sentiram que grandes mudanças passariam a acontecer; primeiro, porque quebrou-se o paradigma da figura da professora; depois, porque o frescor da juventude e consequentemente sua energia sacudiram o pó acumulado por longos anos imutáveis, quer na escola, quer nas relações da comunidade com sua escola .
Já no primeiro dia de aula a vida dos alunos sofreu a primeira sacudida. Cada aluno devia apresentar-se e fazer um pequeno histórico de sua família. Depois foram estabelecidas as regras de convivência, de comportamento, de trabalho, enfim, foram os primeiros contatos com a ética que sempre pautou a sua vida e que transmitiu a seus alunos. Princípios e valores eram passados de forma imperceptível, na prática, numa nova postura diante da vida em sua complexidade.
Assim, como quem não faz, foi transformando nossos dias em oportunidade de sermos felizes e de nos maravilharmos com o mundo e com a humanidade. Nenhuma lição ficou para trás, tudo foi contemplado dentro e fora da sala de aula. Nós, seus alunos, vivenciamos o que aprendemos por que não tem outro jeito; a semente era boa e deu bons frutos.
Devo dizer-lhe que ao longo de minha vida profissional, tenho lido e pesquisado muito e nada de novo encontrei que pudesse ser melhor, ou igual, à sua didática ou à sua pedagogia. Claro! O seu fazer pedagógico era baseado no amor e todas as suas conseqüências.
Por sua generosidade, por seu afeto, pela grandeza de sua alma, enfim, pela sua existência, nós, homens e mulheres que a recebemos e acolhemos em nossos corações, somos gratos, imensamente gratos e lhe dizemos com muito, muito amor: OBRIGADO, QUERIDA PROFESSORA, MUITO OBRIGADO e tenha um

BOM DIA, DONA MARIA THÈRÈZIA!